1. Enquadramento
o longo dos últimos anos, tem
aumentado a importância da Alemanha como um dos principais centros de
investigação, criação e produção de medicamentos a nível mundial. Fatores como
a globalização de grandes grupos farmacêuticos, a cooperação internacional
entre centros de investigação ou o incremento de associações internacionais de
ajuda médica, fizeram crescer a procura de traduções médicas. Por outro lado, a
procura de traduções de textos de saúde menos especializados também tem
aumentado. Neste sentido, a correta utilização da terminologia específica, por
parte do tradutor, é fundamental, pois o menor erro ou falta de precisão podem
acarretar graves consequências para a saúde e para a vida humana.
O estudo aqui apresentado
enquadra-se no âmbito académico de formação de tradutores no Mestrado de
Tradução Especializada em Saúde e Ciências da Vida da Universidade de Aveiro, e
tem o propósito de fornecer conhecimentos sobre as diversas possibilidades de
tradução de compostos alemães para a língua portuguesa. Para tal, tomámos como
objeto de análise o texto de divulgação médica.
2. O texto de divulgação científica como género textual
O menor erro ou falta de precisão podem acarretar graves consequências para a saúde e para a vida humana. | A caracterização dos textos de
divulgação médica em função do tipo de linguagem utilizada pode ser
problemática, dado que estamos perante um continuum que atravessa vários
graus de especificidade. Muitos textos de divulgação médica apresentam uma
linguagem híbrida que, consoante o género textual, será mais ou menos marcada
pela terminologia científica. No que concerne o papel do texto de divulgação
científica é consensual que a sua função consiste em informar de modo prático o
público externo (fachexterne Rezipienten) sobre conhecimentos novos e
relevantes, bem como despertar o interesse por novas descobertas científicas.
Através de textos de divulgação científica, o público conhecedor e interessado
acede aos conhecimentos de uma área específica. Os textos de divulgação
científica apresentam-se sob a forma de inúmeros géneros textuais, com o
objectivo comum de dar a conhecer a um público heterogéneo informações
específicas, evitando mal entendidos (Baumann 1998, apud Kunkel-Razum
2007: 313). Por contraste com o texto científico, o texto de divulgação
evidencia um menor grau de especificidade, o que implica muitas vezes o
esclarecimento da terminologia mediante definições ou paráfrases.
3. O "leigo" em medicina
É necessário esclarecer o que hoje
entendemos por "público leigo". Liebert (1997: 793ss.) sublinha que
géneros textuais especializados e não especializados não constituem objetos
imutáveis e que a discussão de determinadas temáticas junto do grande público
se tem tornado tão complexa num tão curto espaço de tempo, que não é fácil
traçar uma dicotomia "especialista" versus "leigo" ou
estabelecer uma distinção evidente entre linguagem comum e linguagem de
especialidade. Parafraseando Liebert (1997: 795), os leigos começam a
informar-se, tornam-se especialistas e participam na discussão. A literatura de
especialidade cresce exponencialmente e, com ela, a comunicação nos órgãos de
informação escrita, na rádio e na televisão. O Estado desempenha um papel
importante no esclarecimento sobre a doença e os cuidados a ter, através da
comunicação escrita e oral, de manuais de divulgação, etc. Nos dicionários
generalistas passam a ser incluídas palavras que pouco tempo antes apenas
faziam parte da linguagem de especialidade:
Laien beginnen sich kundig zu machen, werden zu
Experten und mischen sich in die Diskussion ein. Die Fachliteratur wächst
explosionsartig an und mit ihr die gesamte Vermittlungsliteratur in den
Printmedien, aber auch in Radio und Fernsehen. [...] Der Staat wird zum
„Aufklärer“ über die Krankheit und deren Prävention, verfasst
Aufklärungsschriften und gibt Anweisungen in Form verschiedenster Textsorten.
Es entstehen staatlich und staatlich unterstützte Beratungsstellen mit eigenen
schriftlichen und mündlichen Kommunikationsformen, [...],
populärwissenschaftliche Handbücher und Lexika, [...], Einträge von Wörtern in
die gemeinsprachigen Wörterbücher, die eben noch ausschließlich Fachtermini
waren. (Liebert
1997: 795)
A televisão estatal (tanto na
Alemanha como em Portugal) tem um papel de difusor cultural, no qual estão
incluídos programas de divulgação médica, tais como "Nano" ou "Quarks & Co.".
Um exemplo recente, no espaço de
língua alemã, que ilustra o interesse do público leigo por temas da medicina é
o da divulgação da doença infecciosa borreliose, que é desencadeada pela picada
da carraça. Até há cerca de uma década, esta doença era praticamente
desconhecida do grande público. Contudo, com a expansão da doença e com o
perigo de contágio na Europa central e do norte, a população foi-se tornando
cada vez mais conhecedora dos seus sintomas. Fenómenos semelhantes ocorrem em
Portugal, quando o surto de uma determinada doença é publicitado, como a gripe
A (H1N1), ou quando nos meios de comunicação social se anuncia a introdução de
uma nova vacina no plano de vacinação nacional, como foi recentemente o caso da
vacina contra o cancro do colo do útero.
Em suma, a
linguagem generalista está constantemente a ser enriquecida por palavras novas
que passam a fazer parte do vocabulário do dia a dia.
4. Instrumentos de apoio à tradução de textos de medicina
A necessidade
que o tradutor tem de lidar quotidianamente com a introdução de novas palavras
remete-nos obrigatoriamente para o papel dos dicionários e de outros
instrumentos de apoio à tradução.
A situação dos
meios de apoio linguísticos, nomeadamente dicionários e glossários bilingues,
no par de línguas alemão-português, pode ser genericamente caracterizada como
insuficiente. Destaca-se o aparecimento de alguns dicionários ao longo da
primeira década do séc. XXI, tais como "Medizinisches
Wörterbuch Deutsch-Portugiesisch" de Maria João Varela, publicado em 2007
na Alemanha pela editora Buske, e "Medizinisches Wörterbuch/Dicionário de
termos médicos DeutschSpanischPortugiesisch", de Nolte-Schlegel e
González-Soler, publicado em 2004 na editora Springer. A Porto Editora editou
igualmente um „Dicionário de Termos Médicos“, com cerca de 30.000 conceitos do
vocabulário médico, que se encontra também disponível na sua página online
Infopédia, mas que é monolingue.
Para além destes dicionários
existem vários glossários de terminologia médica na internet. Especialmente
dignos de destaque são o glossário multilingue IATE da União Europeia, bem como
o "Multilingual Glossary of technical and popular medical terms in nine
European Languages", que a Universidade de Gent (Bélgica), levou a cabo no
âmbito de um projeto europeu, do qual fazem parte a língua alemã e portuguesa.
A par destes dicionários encontram-se em acesso aberto na internet uma série de
listagens terminológicas que, contudo, não cobrem todos campos da medicina ou
que apenas apresentam um conjunto de conceitos pouco específicos. Um exemplo
destes é o "Taschendolmetscher für Ärzte" (Deutscher Ärzte-Verlag), que
apresenta vocabulário básico em 16 línguas. Esta situação leva inevitavelmente
à dificuldade de encontrar equivalentes portugueses para grande parte dos
compostos alemães.
Relativamente à política
editorial, será também de referir que a evolução de dicionários especializados
(como por exemplo o "Wörterbuch der Industriellen Technik" de Richard
Ernst, para o alemão-espanhol) poderá estar comprometida, pois a pesquisa
terminológica é cada vez mais feita através de meios de pesquisa de livre acesso
como a internet. Esta realidade repercute-se na menor procura de dicionários
junto das editoras. Por outro lado, o reverso da medalha mostra-nos uma outra
realidade: as empresas de tradução alemãs afirmam que os tradutores não sabem
utilizar de forma crítica os recursos da internet (por exemplo, Linguee), e
sentem necessidade de reforçar os seus meios de pesquisa tradicionais, em
papel.
5. Definição de composto / Kompositum
Na
literatura sobre formação de palavras existem várias definições para o processo
de composição. Enquanto em língua alemã a classificação das palavras compostas
não constitui um problema, dada a delimitação gráfica dos seus constituintes
(que coincide com a delimitação gráfica da palavra), nas línguas românicas
existem maiores discrepâncias em relação à noção de composição. O problema
situa-se fundamentalmente na distinção entre, por um lado, compostos que
resultam de um processo de formação de palavras e, por outro, colocações ou
formações sintáticas livres.
No nosso estudo, tomamos
em consideração os seguintes critérios sobre a constituição dos compostos:
1)
O composto é constituído, pelo menos, por
dois constituintes autónomos (cf. Rohrer 1977: 21, para o francês).
2)
O composto constitui uma unidade
semântica. Apesar deste critério não ser consensual entre os especialistas, é
normalmente utilizado quando se trata de caraterizar formações do tipo N + Adj
ou N + Prep + N como compostos e não como sintagmas livres.
3)
Critério da frequência. Partimos do
princípio de que quando determinados constituintes surgem frequentemente
juntos, fazem parte da categoria dos compostos. Este critério é particularmente
significativo para formas linguísticas que ainda não se encontrem lexicalizadas
e presentes em entradas de dicionários.
O interesse pelos
compostos nominais alemães deu origem a uma série de estudos contrastivos
interlinguísticos que revelam os seus equivalentes nas línguas românicas, por
exemplo em alemão-espanhol (Gauger, 1989) e alemão-francês (Wolf, 1990).
6. Problemas de tradução de compostos alemães para português
A formação de palavras compostas representa um processo
muito produtivo na língua alemã, em particular o da composição nominal. A
composição não é apenas caraterística dos textos de especialidade, mas
contribui em termos genéricos para designar novos conceitos e para a economia
linguística. As palavras compostas alemãs são igualmente caraterísticas de
textos de divulgação e constituem frequentemente uma dificuldade para o
tradutor. Por um lado, há que ter em conta a sua frequente ausência dos
dicionários, por outro, são formações assindéticas complexas que exigem um
conhecimento lexical muito profundo por parte do tradutor. Nas ligações
assindéticas, a relação entre os lexemas não é expressamente verbalizada
(Kabatek/Pusch 2009: 93). Os autores dão como exemplo as palavras Geflügeldöner
e Kinderdöner que pressupõem por parte do tradutor o conhecimento de que
se trata, no primeiro caso, de um Döner (Kebab) constituído por carne de aves e, no segundo, de um Döner para crianças. De um ponto de vista estrutural, os compostos
alemães não constituem um problema para o estudante português; o mais difícil é
captar o seu significado. O que não surpreende, dado o seu caráter de
condensação. Trimble descreve este problema de tradução com
exemplos do inglês, que tal como na língua alemã tem um caráter assindético, da seguinte maneira:
[...] no matter how well students
learn to analyze compounds into their component parts and, if necessary,
translate them into their native languages, there are a great many compounds that refuse
to yield to these procedures […]. When we look at the often complex compounds
in scientific and technical discourse, we can see that the problem is magnified
to the point where many are impossible of translation even by a native speaker
unless that speaker knows the subject well. (Trimble 1985, apud Stein
1993)
Este problema não
se levanta com os compostos portugueses, pois estes são muitas vezes unidos por
morfemas gramaticais, como por exemplo a preposição de (Kabatek/Pusch, ibid).
Neste caso, para além de uma vasta competência linguística, só o conhecimento
dos diferentes modelos de formação de compostos em ambas as línguas permite
ultrapassar estas dificuldades.
Perante os
inúmeros problemas que se levantam na tradução de compostos de alemão para
português, bem como o grande interesse pelos compostos nominais, surpreende a
falta de estudos tradutológicos neste par de línguas (Herget & Proschwitz
2008).
A inversão dos constituintes (palavra determinante e palavra
determinada) é caraterística
da tradução de compostos alemães (germânicos) para línguas românicas. Enquanto
na língua alemã a palavra determinante precede a palavra determinada (em Darminfekt, é a
palavra Darm, intestino, que determina o tipo de infeção), em português dá-se precisamente o processo inverso
(infeção intestinal), ocupando a palavra determinante a posição posterior ao
nome determinado. Em termos de tradução, esta inversão pressupõe naturalmente a
delimitação correta dos constituintes e a compreensão dos seus significados.
7.
Possibilidades de tradução de compostos alemães para português no âmbito de
textos de divulgação médica
Partindo do
princípio de que o composto alemão constitui uma unidade semântica que remete
para um conceito particular, os equivalentes portugueses terão necessariamente
que remeter para uma unidade semântica correspondente, mesmo que por vezes essa
unidade não tenha ainda encontrado a forma ideal, fixa, no processo de
lexicalização. Nos pontos seguintes serão apresentadas diferentes possibilidades
formais de encontrar um equivalente em português para um composto alemão. Com
base num corpus constituído por um guia de saúde infantil
"Kinderkrankheiten von A-Z" (area pockets) de 2007, recentemente
traduzido de alemão para português no âmbito de um projeto de mestrado de
Tradução Especializada, e na tradução de diversos textos por alunos do mestrado
de Tradução Especializada (Universidade de Aveiro), daremos conta das
possibilidades de tradução, bem como dos problemas com que nos deparamos.
7.1 N + Prep (de) + N
Os compostos
preposicionados constituem uma das formas mais comuns de tradução dos compostos
alemães do campo da medicina. Entre os constituintes estabelece-se uma relação
de subordinação:
Eisenmangel
|
falta de ferro
|
Appetitlosigkeit
|
falta de apetite
|
Atemnot
|
falta de ar
|
A palavra
determinante (neste caso ferro, apetite ou ar) especifica
a palavra determinada (o tipo de falta).
Nos compostos preposicionados com
a preposição de, verifica-se por vezes a tendência para a contração desta
preposição com o artigo definido, dando-se assim uma concretização de um
conceito mais abstrato. O composto remete para algo conhecido ou referido. Em
muitos casos, consoante o grau de abstração, o composto pode oscilar entre a
presença exclusiva da preposição (Prep + artigo zero) e a presença de contração
da preposição com o artigo definido. O composto ganha assim um caráter
monossémico:
Blinddarmentzündung
|
inflamação
do apêndice
|
Blasenentzündung
|
inflamação
da bexiga
|
Nierenentzündung
|
inflamação
dos rins
|
Geburtseinleitung
|
indução
do parto
|
Compostos deste género podem
sofrer diversos tipos de expansão. A expansão pode ocorrer mediante um
adjectivo (N + de + N + Adj):
Knochenmarkverpflanzung
|
transplante
de medula óssea
|
Sonnenschutzcreme
|
creme
de proteção solar
|
Bindegewebserkrankung
|
doença
do tecido conjuntivo
|
A expansão poderá também dar-se
mediante a acumulação de outra preposição à direita (N+de+N+de+N), sendo
contudo esta forma mais frequente na terminologia científica e não tanto em
linguagem de divulgação científica.
Gebärmutterhalskrebs
|
cancro
de colo de útero /
cancro
do colo do útero
|
7.2 N
+ Prep (a / com / em / por / para / contra) + N
Para além da
preposição de, outras preposições ocorrem frequentemente na tradução de
compostos alemães. Esta diversidade de preposições levanta por vezes questões
de distinção entre compostos e sintagmas livres, esbatendo-se as fronteiras
entre ambos.
A preposição a
estabelece, nos seguintes exemplos, uma relação nocional (cf. Cunha/Cintra,
1986: 558) entre os constituintes.
Nahrungsmittelunverträglichkeit
|
intolerância
a alimentos/ aos alimentos
|
Laktoseunverträglichkeit
|
intolerância
a lactose / à lactose
|
Milchproteinunverträglichkeit
|
intolerância
a proteína do leite /
à
proteína do leite
|
Glutenunverträglichkeit
|
intolerância
a glúten / ao glúten
|
Sojaunverträglichkeit
|
intolerância
a soja / à soja
|
Observa-se na
tradução do composto nominal alemão a ocorrência de formas duplas (Dubletten),
devido ao facto de se oscilar entre a preposição, por um lado, e a preposição +
artigo interno, caraterística da tradução para língua portuguesa.
A preposição em
é também comum no âmbito da linguagem especializada, revelando uma noção
espacial entre os constituintes (neste caso, a localização de determinado fenómeno):
Magendrücken
|
pressão no estômago
|
Nierenstein
|
pedra nos rins
|
Rückenschmerzen
|
dor nas costas
|
A preposição por
remete para um processo específico (algo ocorre por meio de):
Wärmetherapie
|
terapia pelo calor
|
A preposição para remete para um fim específico
(finalidade):
Hühneraugenpflaster
|
adesivo para calos
|
Hustensaft
|
xarope para a tosse
|
Kopfwehtablette
|
comprimido para dor de cabeça
|
Halswehtablette
|
pastilha para dor de garganta
|
Algumas
preposições (como é o caso da preposição contra) possuem uma ligação
fixa com um determinado nome:
Hepatitisimpfung
|
vacina contra hepatite
|
Pockenimpfung
|
vacina contra varíola
|
Algumas
preposições podem alternar, sem que daí advenha uma alteração de sentido
significativa. Estes são casos frequentes da tradução médica.
Nierenschmerzen
|
dores de rins / dores nos rins
|
A preposição de
enfatiza uma relação nocional, a classificação do tipo de dor, enquanto a
preposição em remete para uma referência espacial (a localização da
dor).
7.3 N + Adj.
A
par dos compostos preposicionados do tipo N + de + N, a estrutura N + Adj.
constitui uma das mais produtivas em língua portuguesa. Na linguagem da
medicina, o adjectivo é frequentemente constituído a partir do respetivo nome.
Nasenbluten
|
hemorragia nasal
|
Hautausschlag
|
erupção cutânea
|
Lungentuberkulose
|
tuberculose pulmonar
|
Esta
caraterística resulta frequentemente numa duplicidade de formas sinónimas que
diferem unicamente em termos de frequência de utilização, sendo a estrutura N +
Adj muitas vezes a mais comum (Leipnitz 2007):
Darminfekt
|
infeção do intestino /
infeção intestinal
|
Durchblutung
|
circulação
do sangue /
circulação
sanguínea
|
A estrutura N + Adj. pode ainda
ser expandida através de um segundo adjetivo: N + Adj + Adj
Schlaganfall
|
acidente
vascular cerebral
|
7.4 N
+ N
Apesar de compostos do tipo N + N
surgirem em linguagens de especialidade como a informática, na tradução médica
foram encontrados poucos exemplos.
Röntgenstrahlen
|
raios X
|
Laser-Therapie
|
terapia laser
|
Laserthechnologie
|
tecnologia laser
|
7.5 Redução do composto
Sendo comum em
alemão a utilização de palavras germânicas em vez de latinismos, o composto
sofre uma redução quando é traduzido para português. (Gebärmutterútero)
Gebärmutterhalskrebsvorsorge
|
prevenção do cancro do colo de
útero
|
7.6 Dissolução do composto
Um
fenómeno frequente na tradução de determinados compostos medicinais de alemão
para português diz respeito à tradução de designações de origem germânica, que,
ao serem transportadas para a língua portuguesa, se transformam em nomes
simples de origem greco-latina. Neste caso, a palavra composta alemã
corresponde a uma palavra simples em português:
Sodbrennen
|
azia
|
Nesselfieber
|
urticária
|
Brandwunde
|
queimadura
|
Haarausfall
|
alopécia
|
Blinddarmentzündung
|
apendicite
|
Gelenkentzündung
|
artrite
|
Blasenentzündung
|
cistite
|
Bindehautentzündung
|
conjuntivite
|
Kehlkopfentzündung
|
laringite
|
Ohrenentzündung
|
otite
|
Bauchfellentzündung
|
peritonite
|
Nasenschleimhautentzündung
|
rinite
|
A maior parte
destes exemplos remete para um processo de derivação por sufixação. O sufixo -ite,
que significa inflamação, revela ser particularmente produtivo na terminologia
médica analisada.
A existência
destes compostos alemães está naturalmente associada ao uso comum de
germanismos em textos de divulgação médica. Pelo contrário, em textos
científicos especializados estes germanismos são em grande parte substituídos
por termos eruditos de origem greco-latina, dando origem a palavras simples em
português.
7.7 Compostos híbridos
Alguns compostos
alemães constituídos por um acrónimo e um nome (cuja ligação é estabelecida
através de hífen) mantêm em português essa estrutura, produzindo-se a alteração
habitual dos compostos:
AIDS-Kranker
|
doente de SIDA
|
HIV-Virus
|
vírus HIV
|
UV-Strahlen
|
raios UV
|
7.8 Alteração
semântica
Embora designando
o mesmo conceito, por vezes, na linguagem de divulgação, o composto alemão
adquire em português uma designação diferente, metafórica:
Fußpilz
|
pé-de-atleta
|
Pfeiffer-Drüsenfieber
|
doença do beijo
|
7.9 Epónimos
À semelhança de
outros campos científicos, a designação de novos conceitos e processos na
medicina é feita através do nome do responsável pela sua descoberta. De acordo
com Karenberg (2009: 20) a vantagem dos epónimos reside na precisão da
designação, dado que uma expressão alternativa seria porventura mais
complicada. Como desvantagem, o autor refere ausência internacional de
uniformidade na designação e, por outro lado, a falta de indício sobre a
descrição da doença.
1:1
|
Eustachische Röhre
|
trompa de Eustáquio
|
Morbus Crohn
|
doença de Crohn
|
1:0
|
Röntgenstrahlen
|
raios-X
|
Pfeiffer-Drüsenfieber
|
doença do beijo
|
0:1
|
Farbenblindheit
|
Daltonismo
|
7.10 Equivalência
Em diversos casos
de tradução de alemão para português deparamo-nos com a existência de
equivalentes sinónimos, fenómeno mais comum na linguagem de divulgação.
1 : vários equivalentes
|
Gallenstein
|
pedra na vesícula
|
|
cálculo biliar
|
Mundhygiene
|
higiene bucal
|
|
higiene da boca
|
7.11
Tradução por meio de uma paráfrase
Em
alguns casos, o composto alemão é explicado por meio de uma paráfrase.
Verdauungsspaziergang
|
passeio para fazer a
digestão
|
8. Conclusão
Esta sistematização de modelos
revela as diferentes possibilidades de tradução dos compostos alemães para
português e contribui, a nível académico, para uma maior consciencialização,
por parte dos futuros tradutores, da estrutura condensada destes compostos. Os
compostos alemães são maioritariamente traduzidos através da estrutura
sintagmática do tipo N + de + N e N+ Adj. Para além disso, podem também ser
realizados através de palavras simples ou por meio de um processo de sufixação
(-ite). Em certos casos, para os quais não existe uma solução económica
como o sintagma, opta-se por uma paráfrase ou explicação do composto.
Em comparação com
outras línguas de especialidade (p. ex. a informática), torna-se evidente a
rara utilização de compostos assindéticos (N + N) em textos de divulgação
médica.
Bibliografia:
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Grammatik. Spanisch-Deutsch. 2 Bände, Mannheim/Wien/Zürich: Duden-Verlag.
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Eine Einführung. Tübingen: Narr.
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deutscher Nominalkomposita aus der Fachsprache der Technik und Analyse
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Fachsprache: eine Einführung. Tübingen.
Kabatek, J. / Pusch, C. D. (2009): Spanische
Sprachwissenschaft. Tübingen: Narr.
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Schnellkurs. Stuttgart: Schattauer.
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populärwissenschaftlichen Texten. In H. Burger, D. Dobrovolskij, P. Kühn, N.R.
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n.3, Janeiro
Liebert, W.-A. (1996): Die transdiskursive
Vorstellungswelt zum Aids-Virus. Heterogenität und Einheit von Textsorten im
Übergang von Fachlichkeit und Nichtfachlichkeit. In H. Kalverkämper, K.-D.
Baumann (eds.). Fachliche Textsorten: KomponentenRelationenStrategien.
Tübingen: Narr. 789-809.
Rohrer, C. (1977): Die Wortzusammensetzung im
modernen Französisch. Tübingen: Narr.
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Stein, A. (1993): Nominalgruppen in
Patentschriften. Komposita und prädikative
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Wolf, B. (1990): Nominalkompositionen
im Deutschen und Französischen: eine Untersuchung der
französischen Entsprechungen zu deutschen Nominalkomposita aus verschiedenen
fachsprachlichen Sachbereichen. Münster:
Kleinheinrich.
[Este
artigo é o resultado de uma comunicação apresentada na II International
Conference on Intercultural Studies, ISCAP (Porto, Portugal) a 25 de maio de
2011.]
|